Unidade: Centro Integrado Nossa Senhora de Fátima

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A importância da equipe multidisciplinar no atendimento a crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência na saúde

Por Simone da Silva Eduardo Santos

Assistente Social do Sistema Único de Saúde (SUS) e Mestra em Ciências Humanas e Interdisciplinaridade pela UNISA

 

Este artigo faz parte parte do livro Saúde em Questão: Bem-estar Físico, Mental e Social, publicado pela editoria Uniesmero. Confira o conteúdo completo acessando este link.

A equipe multiprofissional de saúde reúne profissionais de diferentes áreas, como médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, entre outros. Aqui especificamente, em nosso estudo de caso, conta com o apoio de assistente social, psicólogo e terapeuta ocupacional.

O objetivo desta pesquisa é de caráter exploratório e descritivo, pois explana os benefícios de montar uma equipe multiprofissional de saúde. Dessa forma, ressaltamos a que a abordagem qualitativa é voltada para uma temática: a relevância que uma equipe multiprofissional direcionada para o atendimento a crianças e adolescentes que são vítimas de violência sexual.

Sendo assim, apresentamos o trabalho do Assistente Social na saúde, como componente importante das equipes multiprofissionais da saúde, que visam o cuidado do sujeito como um todo, considerando que o ser humano não é dissociado de si, e todo seu contexto trazem reflexos particulares a sua vida. Sem a intenção de trazer a experiência no cotidiano de trabalho, mas como processo reflexivo da importância dos atores profissionais de uma equipe multidisciplinar.

Introdução

A saúde é um tema que está cada vez mais em evidência nos dias de hoje, e a demanda por profissionais qualificados para cuidar das pessoas é cada vez maior. Uma das principais tendências na saúde são as equipes multiprofissionais, compostas por diferentes especialistas que trabalham em conjunto para oferecer um atendimento mais completo e eficaz aos pacientes.

A equipe multiprofissional de saúde reúne profissionais de diferentes áreas, como médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, entre outros. Aqui especificamente, em nosso estudo de caso, conta com o apoio de assistente social, psicólogo e terapeuta ocupacional. Cada um desses profissionais possui conhecimentos específicos e habilidades que, juntos, permitem um tratamento mais abrangente e individualizado para cada paciente.

Posto isso, a abordagem multiprofissional na saúde tem sido cada vez mais valorizada pelos pacientes, que buscam um atendimento mais humanizado e personalizado. Além disso, a equipe multiprofissional pode contribuir para a prevenção de doenças e promoção da saúde, ao orientar os pacientes em relação a hábitos saudáveis e oferecer atendimento preventivo.

Neste artigo, vamos explorar em mais detalhes os benefícios de montar uma equipe multiprofissional de saúde, bem como as características de uma equipe bem-sucedida. Dessa forma, ressaltamos que a nossa abordagem é voltada para uma temática: a relevância que uma equipe multiprofissional direcionada para o atendimento a crianças e adolescentes que são vítimas de violência sexual.

Destarte, é valido frisar que em abril de 2017 foi promulgada a Lei Federal 13.431 que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para normatizar esta Lei na cidade São Paulo, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e o Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA) publicaram a Resolução Conjunta nº 127/2018, que indica as diretrizes para a política de atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência.

O artigo 3º da resolução, que trata dos atendimentos e acompanhamentos de crianças, adolescentes e seus familiares, indica a realização das ações de forma preferencialmente intersetoriais e regionalizada, por meio da rede de serviços públicos. Assim, a política municipal de saúde é convocada a compor o sistema de garantia destes direitos.

Sendo assim, o Plano Municipal de Saúde de 2018 a 2021 prevê como meta a criação e implementação de serviços de referência para atendimento especializado em violência, com foco na violência sexual, nas 27 Supervisões Técnicas de Saúde (STS).

Dentro desse contexto, defendemos que com a colaboração de diferentes profissionais, é possível abordar a saúde de forma mais abrangente, considerando aspectos físicos, emocionais, sociais e culturais e, também, mais humanizado para cuidar das nossas crianças e adolescentes.

Esse artigo tem como finalidade apresentar o trabalho do Assistente Social na saúde, como componente importante das equipes multiprofissionais da saúde, que visam o cuidado do sujeito como um todo, considerando que o ser humano não é dissociado de si, e todo seu contexto trazem reflexos particulares a sua vida.

Posto isso, compactuamos com Marx (1982) quando o pesquisador afirma que muitos são os desafios cotidianos na área da saúde, uma vez que a inserção profissional do Assistente Social ocorre em todos os níveis de atenção e em diferentes contextos multiprofissionais, assumindo o compromisso de identificar as vicissitudes e a realidade social na qual os sujeitos se encontram inseridos. Logo, o conhecimento sobre essas ações profissionais se pauta em um processo que parte do abstrato para o concreto, sendo a síntese de múltiplas determinações.

Neste texto em específico, nos debruçaremos sobre o atendimento realizado na Equipe Especializada no Atendimento de Crianças e Adolescentes7, vítimas e testemunhas de violência, na região sul de São Paulo, no distrito de Parelheiros8. Sem a intenção de trazer a experiência no cotidiano de trabalho, mas como processo reflexivo da importância dos atores profissionais de uma equipe multidisciplinar.

Dessa forma, as equipes especializadas no atendimento a criança e adolescente vítima e testemunha de violência, vem sendo implementada na zona sul de São Paulo desde 2019, e no território de Parelheiros desde 2020, com a finalidade de atender crianças e adolescentes que passaram por situações de violência, sobretudo a sexual, e que a partir desse fenômeno vivido, apresentem sofrimento importante que comprometam seu desenvolvimento e mobilidade no cotidiano.

Assim, o atendimento tem enfoque psicossocial e psicoterapêutico, com a intencionalidade de que possam ressignificar a violência vivida. É neste escopo de fragilidade social, que as equipes multiprofissionais, compostas por Assistentes Sociais, Psicólogos e Terapeutas Ocupacionais, atuam, somando os saberes, colaborando efetivamente com a travessia deste momento de dor.

Violência sexual

A necessidade da abordagem multiprofissional no atendimento de crianças e adolescentes que sofrem violência sexual está diretamente relacionada à complexidade da situação e à multiplicidade de consequências impostas às vítimas, Esse tipo de violência pode implicar na ocorrência de problemas de saúde física, reprodutiva e mental, como lesões corporais, gestação indesejada, DSTs e AIDS, fobias, pânico, síndrome do estresse pós-traumático, depressão e outras alterações psicológicas, e também de problemas como abandono de estudos, perda de empregos, separações familiares e conjugais, abandono de casa, e outros. A violência sexual também acarreta a procura mais frequente dos serviços de saúde, por queixas vagas, variadas ou de repetição (MATTAR et al., 2007). Dentro das nossas investigações, pesquisadores da área da infância, como, por exemplo, Phebo (1996), Azevedo e Guerra (1998), Faleiros (2000), Guerra (2011) e Azevedo (2005) expressam preocupações com os altos índices da violência contra a criança. De acordo com Faleiros (2000), a Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância (SIPANI) tem divulgado ano a ano um índice muito alto de crianças vítimas de violência doméstica por dia no Brasil.

Os registros desses maus tratos são diversos, sendo que 29,1% de meninos e meninas são vítimas de violência física; 16,3% de violência psicológica; 28,9% de violência sexual cometida, na grande maioria, por um membro da própria família, geralmente o pai ou o padrasto da vítima; e 25,7% sofreram de algum tipo de negligência. Os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef/2019) salientam que 80% das agressões físicas contra crianças são causadas por parentes próximos e que, de hora em hora, morre, no mundo, uma criança queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais.

Em relação à confiabilidade dos dados, os números desse tipo de violência são questionáveis. Compactuamos com Camargo (2015) quando a pesquisadora diz que os números da violência contra a criança são difíceis de serem contados por metodologias clássicas de coleta de dados. A maioria dos casos acontece em espaços privados e muitas vezes não chegam a ser notificados e computados. Os índices que apontam aumento de casos também podem ser interpretados como relacionados ao aumento da visibilidade do fenômeno.

No Brasil, a visibilidade tornou-se maior a partir da vigência da lei relacionada à proteção da criança e da veiculação dos textos legais, tais como o ECA (Lei nº 8.609, 1990) e as Orientações Técnicas de Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS - e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda -, 2009). As ações voltadas para a implementação do ECA e o processo de democratização do Brasil favoreceram a participação política de segmentos importantes da sociedade que propagaram novas ideias sobre educação e cidadania. Assim, abriu-se a possibilidade de questionamento das práticas violentas consideradas educativas na cultura brasileira e cresceu sua visibilidade. As vítimas de violência, muitas vezes ficam constrangidas ou aterrorizadas em relação aos procedimentos legais que poderiam determinar os alcances do agressor. Assim, na maioria dos casos de violência sexual, as crianças e/ou adolescentes, sem orientação de um adulto responsável que possa levar a um advogado/promotoria o caso, não iniciam procedimentos nas delegacias que iriam abrir inquérito e determinar julgamento e punição aos agressores. Por isso é importante que uma equipe conte com profissionais da área de direito também. Do mesmo modo, se a agressão resultar de uma gravidez, para o caso de crianças/adolescente do gênero feminino, é necessário um suporte psicológico adequado para facilitar à mulher a tomada de decisão em relação a esta gestação.

Posto isso, consideramos, portanto, que toda intervenção em relação à violência contra a criança/adolescente deve assumir que a maioria dos casos não são conhecidos porque não são detectados e/ou não são notificados.

A violência contra a criança desafia saberes hegemônicos no campo da saúde. Deslandes (1999) situa essa violência em um estado doentio da pessoa, que não tem origem em ação invasiva de micro-organismo, não advém de nenhuma desordem orgânica, ou seja, aparentemente não apresenta nada que exija saberes da atuação médica e da pesquisa biológica.

Essa falsa aparência é denunciada por Algeri e Souza (2006), que assinalam que, por muito tempo, considerou-se a violência um caso a ser tratado pela saúde, recebendo atenção somente quando havia lesões e traumas visíveis, ou seja, apenas os casos que necessitavam de cuidados médicos. Descuidava-se, portanto, da violência que não deixava marcas visíveis, mas que trazia consequências para a saúde física e mental do paciente, como, por exemplo, os maus-tratos emocionais, negligências físicas e emocionais e, em alguns casos, o abuso sexual.

Dentro desse contexto, violência passa a exigir, no campo da saúde, a intervenção de uma equipe multiprofissional e de vários setores da sociedade civil e das organizações governamentais. A intervenção multidisciplinar desejada para as vítimas da violência é apontada pela literatura como aquela que terá como resultado final a melhoria do bem-estar psicossocial dessas vítimas, bem como o atendimento dos agressores (CAMARGO, 2015).

Aqui, entendemos que a violência contra a criança se apresenta de diversas formas, e que a criança agredida e o agressor necessitam de cuidados especiais e singulares para que possam participar plenamente de sua comunidade. A intervenção psicossocial na proteção infantil pode ser organizada de diferentes maneiras, dependendo das condições concretas. Defende-se que as ações preventivas e programas de acolhimento familiar devem ser prioritários.

Não obstante, ainda temos que considerar os impactos provenientes das condições extremamente adversas e injustas de sociedades – tais como a má distribuição de renda, elevadas taxas de desemprego e pobreza – na produção de vidas segregadas e acesso aos bens materiais, aos bens simbólicos, à saúde, à educação e às condições mínimas para que as pessoas possam ser integradas à sua comunidade. Nesse contexto, percebe-se o surgimento de setores da população que se tornam socialmente mais vulneráveis a sofrerem violência e a se tornarem agressores.

Aqui também é necessário problematizar e ter clareza de que pobreza e padrões diferentes de arranjos familiares não são justificativas para a retirada definitiva da criança do convívio familiar em caso de violência. Como lembra Moreira (2014), em sua pesquisa bem referenciada, os impasses entre acolhimento institucional e o direito à convivência familiar, afirma que a retirada das crianças e dos adolescentes de casa é para protegê-los dos riscos imediatos, e precisa ser compreendida como uma estratégia para que as relações familiares sejam trabalhadas e revistas.

Entretanto, as dificuldades relatadas nos artigos científicos relacionados anteriormente também são enfrentadas pelos profissionais de saúde, no momento do atendimento às crianças vítimas de violência.

Nessa perspectiva, Nunes, Sarti e Ohara (2009) realizaram um estudo de caso, Profissionais de saúde e violência intrafamiliar contra a criança e adolescente, para compreender o modo como os profissionais de saúde abordam as situações envolvidas na violência intrafamiliar contra a criança e ao adolescente. Concluíram que os profissionais de saúde frequentemente recriminam e priorizam a punição em lugar do atendimento das vítimas. Perceberam, ainda, que a estrutura de trabalho dos equipamentos de saúde não permite que as vítimas expressem, no atendimento, suas reações e seus sentimentos. O modo de abordar as famílias, submetidas a uma situação de estresse causada pela vivência da violência, pode configurar outro ato violento para com elas. Para as autoras referenciadas, a maneira como é realizada a maioria das abordagens reflete a falta de integração entre os diferentes profissionais e os diversos setores responsáveis no enfrentamento dos casos.

De acordo com o que foi exposto, a violência gera diversos impactos na vida das vítimas e dos agressores, constituindo-se em um importante fator de risco para problemas de saúde mental. O cuidado insere-se, nesse contexto, sob a perspectiva da integralidade, considerando os aspectos biológicos, culturais, sociais ou subjetivos das pessoas. Portanto, deve-se refletir acerca da questão para proporcionar o empoderamento da pessoa frente aos desafios da vida.

Na situação de violência os profissionais de saúde necessitam elaborar novas formas de atuação e cuidado, buscando compreender a história de vida das pessoas, suas redes sociais e familiares, bem como as vulnerabilidades relacionadas a cada caso. Para tanto, é necessário constituir espaços de reflexão sobre a prática, a partir das situações vivenciadas, possibilitando uma atuação multiprofissional com decisões compartilhadas. Dito isso, na próxima seção abordaremos e defenderemos o porquê da importância de uma equipe multiprofissional para o cuidado das crianças/adolescentes que são vítimas da violência sexual.

A real importância de uma equipe multiprofissional

Uma equipe multiprofissional de saúde, como já mencionamos pode incluir médicos, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, assistentes sociais, entre outros profissionais. Em outras palavras, a equipe multiprofissional de saúde também pode trabalhar de forma preventiva, oferecendo orientações aos pacientes sobre hábitos saudáveis e práticas de autocuidado.

Em resumo, a equipe multiprofissional de saúde é uma abordagem que reconhece a complexidade da saúde e busca oferecer um atendimento mais completo e personalizado aos pacientes. É um grupo de profissionais de diferentes áreas da saúde, que trabalham em conjunto para oferecer um atendimento completo e personalizado aos pacientes. Logo, essa abordagem reconhece que a saúde é um fenômeno complexo e multifacetado, e que cada profissional possui um conjunto de conhecimentos e habilidades que complementam o trabalho dos demais.

Nesse contexto, os profissionais enfrentam diversos desafios para a implementação da atenção integral frente às situações de violência doméstica contra crianças e adolescentes, como identificá-las, notificá-las e solucioná-las. O limitado preparo para lidar com essas situações é uma das fragilidades, considerando suas concepções de violência e suas causas, as ações que desenvolvem – ou não – e a relação estabelecida com as famílias e outros profissionais da rede de proteção infanto-juvenil.

Sendo assim, essa rede de proteção, enquanto trabalho integrado e intersetorial, é importante no enfrentamento da violência, requerendo a participação de diferentes setores e profissionais, em especial do enfermeiro pela sua atuação na equipe de saúde e sua proximidade com a comunidade.

Entretanto, como aponta Bazzan et al. (2021), a instituição de uma rede de proteção efetiva requer uma mudança de paradigma entre os profissionais, que pode ser alcançada por meio da qualificação e de campanhas que estimulem o trabalho em rede, bem como pela efetivação de políticas públicas em prol do fortalecimento da integração entre os diferentes setores da sociedade.

A equipe multiprofissional de saúde atua de forma integrada e colaborativa. Ao atuar em equipe, os profissionais de saúde podem identificar as necessidades individuais de cada vítima, considerando aspectos físicos, emocionais, sociais e culturais.

Essa abordagem mais ampla permite um tratamento mais personalizado e eficiente, que leva em conta a complexidade da saúde. Assim, a equipe multiprofissional de saúde também pode trabalhar de forma preventiva, oferecendo orientações as crianças/adolescentes sobre hábitos inapropriados e assediadores.

Logo, oferecer uma equipe multiprofissional de saúde nos departamentos responsáveis para casos de violência, pode trazer diversos benefícios, tanto para os profissionais de saúde quanto para as vítimas. Até porque, ao trabalhar em equipe, os profissionais de saúde podem colaborar na identificação de problemas e na busca por soluções mais eficazes. Dizemos isso porque a abordagem multiprofissional permite uma troca de informações mais ampla, considerando as diferentes perspectivas e experiências dos profissionais envolvidos.

Com a colaboração de diferentes especialistas, é possível oferecer um atendimento mais completo e personalizado as vítimas, levando em conta as diferentes dimensões que afetam a saúde emocional e física.

Cada profissional possui sua própria formação e experiência, e a colaboração entre esses profissionais permite a troca de conhecimentos e habilidades. Essa abordagem colaborativa pode gerar um ambiente mais rico e criativo, em que os profissionais estão sempre aprendendo e se aprimorando.

Sendo assim, com a colaboração de diferentes profissionais, é possível identificar os pontos fortes e fracos do atendimento, e buscar soluções mais eficientes e sustentáveis. Essa abordagem pode levar a uma melhoria contínua da qualidade do atendimento, redução de danos traumáticos/psíquicos/físicos e otimização do tempo para a recuperação pós-traumática.

Ao receber um atendimento mais completo e personalizado, as crianças e/ou adolescentes tendem a se engajar mais no tratamento e a retomarem a socialização de suas vidas. Isso porque, a abordagem multiprofissional permite um tratamento mais humano e individualizado, que leva em conta as diferentes necessidades e expectativas das crianças/adolescentes que foram abusadas.

À vista disso, a humanização é um conceito fundamental na área da saúde, que se refere à valorização do ser humano em todas as suas dimensões. Oferecer uma equipe multiprofissional de saúde é uma das principais estratégias para promover a humanização em qualquer ambiente, já que essa abordagem permite um atendimento mais completo, personalizado e humano.

Em primeiro lugar, a colaboração entre diferentes profissionais permite um tratamento mais abrangente, que leva em conta as diferentes dimensões que afetam a saúde. Isso permite um atendimento mais personalizado, que leva em conta as necessidades e expectativas individuais de cada paciente.

A equipe multiprofissional de saúde também pode promover uma maior participação da criança/adolescente no tratamento, incentivando-o a tomar decisões e a participar ativamente das atividades terapêuticas. E este engajamento pode contribuir para uma maior adesão ao tratamento, melhoria da qualidade de vida e satisfação com o atendimento recebido.

Nesse contexto, destaca-se a importância da Organização Social Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus9 que oferece seus serviços às crianças e adolescentes em seus diferentes contextos, de qualidade, acolhedor e humanizado, reforçando a atenção à saúde como direito da criança ou do jovem. Além disso, incluindo a família nos projetos terapêuticos, integrando os laços sociais, com apoio dos serviços setoriais inclusos no território, que essenciais para a atenção em saúde mental.

Sob esse aspecto a interação dos profissionais de saúde com os serviços sociais pode favorecer a compreensão dos determinantes sociais de saúde, bem como integrá-los na assistência à saúde infantil. O conhecimento acerca desses determinantes possibilita aprimorar a competência e a capacidade dos profissionais para identificar crianças e/ou adolescentes com alto risco para maus-tratos e negligência.

Para proporcionar uma assistência mais adequada, o estabelecimento do vínculo é imprescindível, pois favorece uma ligação mais humana e singular. O enfermeiro, assim como os outros profissionais, possui função importante, pela sua proximidade com a comunidade atuando na prevenção, notificação e enfrentamento da violência contra a criança/adolescente.

À vista disso, além da criação do vínculo entre equipe, família e criança, há uma preocupação quanto à vinculação com a rede de apoio, seja a rede de saúde ou a rede social, considerando a importância de articular-se esses setores.

Dessa forma, os profissionais percebem que é um trabalho de divisão de responsabilidades entre os serviços, em que todos objetivam a proteção e o cuidado integral, baseado nas necessidades das vítimas e de suas famílias. A integralidade da assistência requer uma articulação estabelecida entre todos os serviços envolvidos no cuidado, entretanto esse processo depende de diversos fatores ligados a cada instituição. Assim, é preciso que haja sensibilização de todos os profissionais envolvidos para que atuem em parceria, visando o bem-estar da criança/ adolescente e de sua família (GONÇALVES et al., 2015).

Diante da articulação em rede intersetorial, o Ministério da Saúde propõe um modelo de rede composta por programas que visem o trabalho descentralizado e articulado, buscando uma assistência horizontal no que tange o cuidado de crianças/adolescentes vitimadas e suas famílias (BRASIL, 2010), a julgar que a fragilidade dessa articulação compromete o atendimento a estes indivíduos (SALOMÃO; WEGNER; CANABARRO, 2014).

Outra estratégia de fortalecimento é a visita domiciliar, ela consolida-se como uma importante ferramenta para assegurar a continuidade da assistência, considerando que permite o acompanhamento do cotidiano das famílias (MACEDO; CONCEIÇÃO, 2017). Somado a isso, os grupos psicoterapêuticos desenvolvidos no serviço são de grande importância, no que visa a ressocialização de crianças/adolescentes, tendo em vista a necessidade que eles têm de restabelecer vínculos afetivos que foram rompidos, principalmente quando esse vínculo relaciona à família.

Considerações finais

O recente reconhecimento da violência sexual como um importante agravo à saúde e violação dos direitos das crianças e adolescentes tem exigido uma resposta rápida dos serviços e também do aparelho formador. Ao mesmo tempo, as discussões sobre a integralidade no atendimento à saúde e a importância da equipe multiprofissional como tentativa de construção dessa perspectiva também se apresentam nos desafios atuais não apenas para quem presta o serviço, mas fundamentalmente para quem forma o profissional que irá prestar o serviço.

As limitações do estudo relacionam-se com as peculiaridades regionais, pois representam uma realidade específica, contudo acredita-se que possam ser observadas em outros contextos. A pesquisa não pretende generalizações por possuir uma abordagem qualitativa, mas sim o conhecimento da realidade do serviço prestado pelos profissionais e sua atuação junto a todos os envolvidos com violência.

Para tanto, é necessária a articulação em uma rede intra e intersetorial, uma vez que discute as principais formas de manifestação desse fenômeno, sempre em direção a prevenção, a cessação e a reabilitação das crianças e dos adolescentes vitimizados.

Como discorre Fernando Pessoa,1965 -... do espaço do acolhimento, de ter a sensibilidade de oferecer o acolhimento no momento do desconforto, da dor, "abrir a porta quem não bateu". O acolhimento, desprovido de juízo de valor, com uma escuta atenta, podem se tornar divisores de águas, para pessoas em situações de sofrimento.

Parafraseando Martinelli, 1995 ...O– alcance do olhar do profissional eticamente comprometido transcende os muros do hospital, buscando os núcleos de apoio na família, na comunidade, lugares sociais de pertencimento onde se dá o cotidiano de vida das pessoas. É na cotidianidade da vida que a história se faz, é aí que se forjam vulnerabilidades e riscos, mas se forjam também formas de superação.